Empresa Grande & Senzala S/A

William Barter
5 min readJul 26, 2024

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No Brasil, a palavra “empresa” pode carregar uma bagagem mais pesada do que imaginamos.

Quando olhamos para a história, é difícil não pensar na conexão entre trabalho, poder e opressão, especialmente quando lembramos do conceito de “tripalium” — um instrumento de tortura que acabou virando sinônimo de trabalho árduo.

Com isso em mente, o título acima não é apenas um trocadilho.

Ele nos convida a refletir sobre como algumas empresas ainda podem reproduzir, de forma moderna e disfarçada, os padrões de exploração e desigualdade do passado.

Em vez de senzalas e grandes casas, hoje vemos escritórios e fábricas.

Mas será que a dinâmica de poder e opressão mudou tanto assim?

Vamos explorar como as estruturas corporativas e as relações de trabalho podem refletir velhas práticas, e como podemos transformar a “empresa grande” de alguma forma.

“O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades.” — Gilberto Freyre

Prisões Corporativas

Para entender melhor essa conexão entre o passado e o presente, é útil dar uma olhada na etimologia da palavra “empresa”.

Derivada do latim in præhensa, que significa “o que é apreendido” ou “capturado”, a palavra carrega uma conotação de algo que se toma ou se segura.

Embora o significado tenha evoluído para se referir a uma organização comercial, essa origem nos dá uma pista sobre como as empresas podem carregar um peso simbólico.

No Brasil, especialmente, o legado de exploração e desigualdade, profundamente enraizado na era colonial e na escravidão, ainda ressoa nas estruturas corporativas modernas.

Muitos ambientes de trabalho refletem dinâmicas de poder desiguais e práticas opressivas disfarçadas sob a fachada de eficiência e sucesso.

Em vez de reformar e modernizar essas estruturas, muitas vezes perpetuam velhas práticas de controle e exclusão.

Assim, ao olhar para a “empresa grande” podemos ver ecos de uma história que, em vez de ser superada, continua a influenciar a forma como trabalhamos e vivemos hoje.

A Empresa de Dante

Na prática, a realidade de muitas empresas reflete uma espécie de “purgatório” que habita a média gerência — um espaço que muitas vezes se torna um limbo entre o “céu” das promessas de sucesso e o “inferno” das condições adversas no chão de fábrica.

A expressão “ensanduichamento” ilustra bem essa situação, embora, para muitos, a realidade seja bem menos encantadora.

A média gerência pode ser um campo de batalha onde velhas hierarquias e conceitos de controle ainda prevalecem, com gerentes atuando como capatazes modernos, em vez de líderes inspiradores.

Em muitas culturas corporativas, a falta de diálogo e empatia persiste como uma herança de práticas antiquadas que não só perpetuam desigualdades, mas também minam o potencial de inovação e crescimento.

As empresas precisam abandonar esses antigos modelos de comando e controle, investindo em uma comunicação genuína e uma empatia assertiva para construir um ambiente de trabalho mais justo e produtivo.

Sem essa transformação, tanto a “empresa grande” quanto a “senzala” continuam a ser dois lados de uma mesma moeda — um reflexo da luta constante entre progresso e opressão.

A dor de pensar nisso

Os números sobre saúde mental revelam um quadro alarmante e universal de desgaste e estresse, afetando não apenas os trabalhadores no chão de fábrica, mas também aqueles na média gerência e nos altos escalões das empresas.

A pressão para alcançar metas e a incessante busca por sucesso têm transformado o conceito de realização em uma corrida desenfreada por status e riqueza, frequentemente à custa da nossa saúde emocional.

Em um mundo onde a quantidade de dinheiro parece definir o valor das nossas vidas, a capacidade de se conectar genuinamente com os outros fica em segundo plano.

Seja através dos nossos dispositivos eletrônicos, das marcas que ostentamos ou dos carros que dirigimos, muitos acabam se perdendo na superficialidade de um status imposto, em vez de se concentrar no bem-estar e na qualidade das relações humanas.

O verdadeiro sucesso não pode ser medido apenas pelo saldo bancário, mas pela capacidade de construir e manter conexões significativas que realmente sustentem nosso equilíbrio mental e emocional.

A verdadeira transformação no ambiente de trabalho exige uma reavaliação desses valores, colocando a empatia e o suporte mútuo no centro de nossas prioridades, para que possamos superar a pressão e encontrar um propósito genuíno e duradouro.

Ciúmes de Gerente

Quem não tem um chefe ciumento que atire a primeira pedra.

Recentemente, durante uma de minhas mentorias, discutimos a dificuldade de trabalhar em grupos de inovação experimental, onde a hierarquia tradicional muitas vezes é desafiada.

Nesses ecossistemas criativos, o valor de cada pessoa não está em seu título, mas na sua contribuição única. Isso pode gerar desconforto, especialmente quando “chefes” acabam sendo guiados por seus subordinados em um projeto que depende da criatividade coletiva.

O medo de perder status ou posição, mesmo que apenas imaginário, é natural e reflete uma insegurança profunda.

Muitos ainda enxergam as relações de poder nas empresas como uma moeda de troca, e essa dinâmica se torna mais complexa quando a posição tradicional de poder parece estar em risco.

A chave para transformar essa dinâmica é reconhecer que a verdadeira inovação surge quando abandonamos o controle rígido e abraçamos a empatia e a vulnerabilidade.

Os líderes percebem que seu poder não diminui, mas é ampliado quando escolhem compartilhar a batuta para aprender uns com os outros.

Assim, eles descobrem um novo caminho para o sucesso real.

Essa experiência mostra que, ao reconfigurar nossas relações e adotar uma postura mais colaborativa, não só enriquecemos nossos projetos de inovação, mas também contribuímos para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo.

Ao entender e aceitar essas dinâmicas, como minha cliente fez recentemente, podemos abrir portas para novas possibilidades e uma nova forma de liderança que valoriza o aprendizado contínuo e a colaboração genuína.

Empresa ou Companhia?

Em um mundo onde o conceito de “empresa” ainda carrega ecos do passado, é crucial reconhecer que a verdadeira transformação começa com a redefinição das nossas próprias crenças e práticas.

A pressão para alcançar metas e a busca incessante por sucesso muitas vezes nos afastam da verdadeira essência do trabalho: a conexão humana e o aprendizado mútuo.

Se quisermos evoluir, precisamos ir além das antigas dinâmicas de poder e abraçar uma nova abordagem, onde a empatia e a colaboração são os pilares da inovação.

A nossa capacidade de reimaginar o papel das empresas e das pessoas dentro delas pode desbloquear um potencial incrível, não apenas para o crescimento individual, mas para a criação de ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos.

Convido você a refletir sobre o papel que desempenha em sua organização e a considerar como pode contribuir para um modelo mais inclusivo e empático.

Compartilhe suas ideias, converse com colegas e comece a transformar o seu espaço de trabalho hoje.

Afinal, a verdadeira grandeza de uma empresa, ops, melhor, companhia, não está apenas no seu tamanho, mas na sua capacidade de libertar as pessoas de ideias que não fazem nem sentido e nem bem a elas.

Vamos juntos escrever um novo capítulo onde nossas companhias não sejam apenas um reflexo de poder, mas um exemplo real de conexão e humanidade.

Comenta aí embaixo. Vamos debater e achar melhores respostas. Gerar insights, e polinizar novas ideias. Fala aí….

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William Barter

Innovation Designer by Biomimicry. Host of CrieAtive+ Podcast: Future = AI + education. Author of "Creativity: In Search of Meaning for the Act of Creating."