O Golpe de Oogway.
─ Ah, você achou o Pessegueiro Sagrado do Saber Celestial!
─ Então, é isso? Desculpe. Eu achei que fosse um simples pessegueiro.
─ Eu compreendo. Você come quando está chateado.
─ Chateado? Eu não estou chateado! Por que você acha que eu estou chateado?
─ Então, por que você está chateado?
─ Provavelmente eu paguei mais mico hoje do que qualquer um na história do kung fu. Na história da China. Da pagação de mico!
─ Provavelmente.
─ E os Cinco! Nossa, devia ter visto! Eles me odeiam pra valer.
─ É, pra valer!
─ Como é que o Shifu vai transformar a mim no Dragão Guerreiro? Eu não sou como os Cinco. Não tenho garras, nem asas, nem veneno. Até o Louva-a-Deus tem aqueles… trequinhos. Eu devia desistir e voltar a fazer macarrão.
─ Desistir ou não desistir… Macarrão ou não macarrão… Você está muito preocupado com o que foi e o que será. Diz o ditado: O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva. É por isso que se chama presente.
Eu acredito que o filme Kung Fu Panda é uma das mais belas odes ao poder da liderança criativa, da inovação colaborativa e da segurança psicológica plena.
O diálogo acima entre mestre Oogway e o desajeitado Po acontece no ponto alto da jornada de um panda que sonhava em lutar kung fu, mas não acreditava ter as qualidades necessárias.
Foi preciso virar uma chave na mente de todos os envolvidos para que esse milagre acontecesse, e o ódio que tinham dele se transformasse em profunda admiração.
Oogway rebatia todas as maiores dúvidas de seus liderados com histórias e metáforas, em tom suave e leveza absoluta de movimentos.
EXÍMIO EM SE EXIMIR
Certa vez, em uma reunião de marketing com a minha amiga Gabi, a gente brincou com a expressão “você é exímia em se eximir”.
E rimos.
Desde então, eu fiquei com essa ideia na cabeça, e como somos bons nessa arte.
Em um mundo cada vez mais dinâmico e competitivo, a criatividade é frequentemente celebrada como a chave para a inovação e o progresso.
No entanto, nem toda criatividade é benéfica.
Surgem fenômenos como a “criatividade mórbida”, onde indivíduos se destacam não por suas contribuições inovadoras, mas pela habilidade de se eximir de responsabilidades.
Esses “mestres da evasão” utilizam sua inteligência para evitar tarefas difíceis e manipular situações, criando um ambiente tóxico que compromete a confiança e a colaboração.
Para transformar essa distorção da criatividade em uma força positiva, é fundamental entender suas raízes e implementar estratégias que promovam uma cultura de inovação autêntica e construtiva.
A origem da “criatividade mórbida” geralmente reside em culturas organizacionais que não incentivam a transparência e onde a punição por erros é severa.
Em tais ambientes, os funcionários aprendem rapidamente que se esquivar de tarefas pode ser mais seguro do que enfrentar possíveis críticas ou fracassos.
Para reverter essa situação, empresas e escolas precisam cultivar uma cultura de confiança e apoio, onde as pessoas se sintam encorajadas a assumir riscos e responsabilidades.
Promover a transparência, reconhecer os esforços e valorizar as tentativas, mesmo quando falham, são passos fundamentais para transformar a criatividade de evasão em uma ferramenta para a inovação genuína.
Implementar programas de reconhecimento e recompensa que valorizem a iniciativa e a colaboração é um exemplo prático de como reverter a “criatividade mórbida”.
Quando as pessoas veem que seus esforços são apreciados, eles se sentem mais motivadas a contribuir de maneira positiva.
Além disso, proporcionar treinamentos focados em resolução de problemas e criatividade pode ajudar a canalizar a inteligência dos colaboradores para áreas produtivas.
Líderes devem dar o exemplo, assumindo suas próprias responsabilidades e reconhecendo publicamente tanto os sucessos quanto as falhas.
Ao criar um ambiente onde a inovação é valorizada e o medo do fracasso é minimizado, as empresas podem transformar a astúcia de se eximir em uma força propulsora para o progresso coletivo.
Quando Shifu parou de questionar as ideias de Oogway, baseado em seus traumas passados e no atual ódio de um aluno que pensava ter sido a pior escolha de seu mestre, ele pôde perceber que os talentos de Po só poderiam desabrochar se ele o ajudasse a cultivá-los.
Inovação criativa é um esporte coletivo.
O poderoso Shifu se abriu com Po, revelou sua vulnerabilidade e convenceu o desajeitado panda de que o seu verdadeiro poder era usar aquilo que parecia ser suas fraquezas, e não tentar se parecer com os outros 5 Furiosos.
Cada um era único à sua própria maneira.
Shifu entendeu que não existe receita para criar heróis, nem mesmo ingrediente secreto para tornar algo aceitável.
Quando as ideias de Oogway fizeram sentido para Shifu, a sua história mudou.
A utilização do storytelling é uma estratégia poderosa para transformar a “criatividade mórbida” em uma força positiva.
Histórias inspiradoras criam conexões emocionais profundas e podem unir equipes em torno de uma visão compartilhada.
Líderes que utilizam o storytelling para comunicar a missão e os valores da empresa conseguem engajar seus colaboradores de forma mais eficaz.
Programas como os laboratórios de inovação, onde as equipes podem explorar novas abordagens e desenvolver soluções criativas, combinados com o poder do storytelling, podem emancipar a visão criativa dos colaboradores, promovendo uma cultura onde a criatividade é celebrada e a inovação surge naturalmente.
Assim, a jornada rumo à excelência criativa e à inovação autêntica continua, guiada pela convicção de que cada história compartilhada define o presente e escreve o próximo capítulo do futuro.
DE DENTRO PARA FORA
Quando estamos imersos em storytelling, vários neurotransmissores são ativados, criando uma experiência emocionalmente rica e envolvente.
A dopamina, conhecida como o “neurotransmissor da recompensa”, é liberada quando ouvimos uma história envolvente, ajudando a fixar memórias e aumentar a atenção.
A oxitocina, o “neurotransmissor do amor e da confiança”, também é liberada, promovendo empatia e conexão entre quem conta e quem ouve a história.
Além disso, o cortisol é liberado durante momentos de tensão na narrativa, aumentando o foco e a atenção, enquanto a endorfina proporciona uma sensação de prazer e alívio ao final da história, especialmente se houver uma resolução satisfatória.
No universo da liderança colaborativa, o uso de storytelling pode ser uma ferramenta poderosa para engajar e motivar equipes.
Quando líderes compartilham histórias inspiradoras que conectam a missão da equipe aos valores e experiências pessoais, eles ativam esses neurotransmissores nos membros da equipe, criando um ambiente mais coeso e motivado.
A dopamina reforça a atenção e a retenção de informações importantes, enquanto a oxitocina fortalece a confiança e a colaboração dentro do grupo.
Ao integrar storytelling em práticas de liderança, líderes podem promover um ambiente mais empático, focado e inovador, alinhado com os princípios de valorização do presente, aceitação das diferenças e transformação de fracassos em oportunidades.
NA VELOCIDADE DA TARTARUGA
Enquanto refletimos sobre o diálogo entre Mestre Oogway e Po, fica claro que a essência da liderança criativo-colaborativa reside na aceitação do presente, na valorização das habilidades únicas de cada indivíduo e na transformação do fracasso em oportunidades de crescimento.
Líderes que abraçam essas lições criam ambientes onde a inovação prospera, e onde as equipes se sentem seguras para explorar novas ideias e abordagens.
Ao focar no agora, em vez de se prender ao passado ou ao futuro incerto, líderes podem inspirar suas equipes a agir com confiança e criatividade, reconhecendo que cada desafio é uma chance de aprender e evoluir.
Além disso, a valorização da diversidade e a celebração das diferenças entre os membros da equipe são fundamentais para fomentar uma cultura de respeito e colaboração.
Assim como Po, que eventualmente descobre seu valor único, líderes que incentivam a autoaceitação e a confiança em suas equipes cultivam um ambiente onde todos se sentem parte integrante do processo de inovação.
Ao aplicar a sabedoria de Oogway, entendemos que a verdadeira força de uma equipe está em sua capacidade de trabalhar junta, aproveitando as habilidades e perspectivas únicas de cada membro para criar soluções inovadoras e impactantes.
A ideia de controle que Shifu carregou por toda a vida o impedia de perceber as qualidades únicas que cada aluno seu tinha, e o quanto isso poderia ser útil para enfrentar o terror do futuro.
Os 5 Furiosos, seus maiores guerreiros, treinados para serem invencíveis, foram derrotados vergonhosamente por Tai Lung.
O mesmo que sucumbiu diante de Po, o panda desajeitado.
O desafio maior de qualquer líder é conseguir ver dentro de seus liderados, para além de seus currículos.
Sim, difícil tarefa.
Mas, como tirar o melhor de uma pessoa se eu não for capaz de entender a sua trajetória?
Não aquela que está maquiada no perfil do Linkedin, mas uma outra que só se revela quando nos permitimos ser vistos por quem decidimos liderar.
Quando Po derrota Tai Lung, ele usa exatamente todas as suas antigas fraquezas, mas, agora, de uma nova perspectiva.
E o que finaliza a luta foi o golpe mais sofisticado do kung fu; só que ninguém o havia ensinado ao panda.
Po estava tão à vontade com o seu mestre, numa sinergia tão profunda, que ele “pegou a manha” sem precisar de explicações.
Quando a sua equipe está na vibe certa, tudo pode acontecer.
Há conflitos? Sim!
Mas, são exatamente esses eventos que mostram o que há de errado.
Preste atenção naquilo que gera atritos, pois as melhores respostas podem vir daquilo que cria desconforto.
A força de qualquer líder está na arte de prestar atenção em seus liderados e transformar as suas aparentes fraquezas em poderosas ferramentas de colaboração.
Na combinação certa de talentos, recursos, empatia e afeto uma equipe pode se tornar lendária.
O golpe mais poderoso que você deve aprender é tocar o coração de uma pessoa.
Skadoosh