Ódio ao Elogio

William Barter
5 min readOct 26, 2023

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“Suportam melhor a censura os que merecem elogio.” — ALEXANDER POPE

Lápides são os lugares onde eles estão. Epitáfios são pequenas odes escritas para louvar aqueles que ali jazem, sob um amontoado de terra, concreto e mármore. Todos — ou pelo menos a grande maioria — são bons depois de abraçar a morte.

O que há de tão especial em não mais existir? Diante das câmeras, os que morreram são descritos como alegres, mães e pais dedicados, pessoas cheias de vida, e com sonhos ainda por serem realizados.

Por que o elogio é tão poderoso?

Sofia Vergara e Simon Cowell — AGT

Os estereótipos, tanto positivos quanto negativos, perturbam a mente. Quando você recebe um rótulo positivo, receia perdê-lo; ao receber um negativo, receia merecê-lo.

Carol Dweck, uma das maiores especialistas nos campos da personalidade, nos ajuda a compreender como nos tornamos contumazes amantes da mentira. “No mindset fixo, as imperfeições são vergonhosas, especialmente para talentosos, e por isso eles preferem escondê-las”, afirma.

O que é alarmante, diz Dweck, é que trabalhamos com crianças normais e as transformamos em mentirosas, simplesmente porque lhes dissemos que eram inteligentes.

Em um de seus estudos, ficou provado que o simples ato de elogiar interrompeu o desenvolvimento dos participantes. Voluntários que receberam elogios comuns, cumprimentando a sua “inteligência”, tiveram dificuldades em prosseguir com o teste, mesmo depois de terem obtido bons resultados.

Por outro lado, a turma que recebeu feedback sobre o valor de seus esforços continuou bem nos testes seguintes. Dweck concluiu que é perigoso exaltar a inteligência das pessoas como um talento permanente.

Quem recebe elogios grátis se viciam rápido no prazer de ser exaltado, teme perder esse status, e passa a proteger uma situação que inevitavelmente vai fugir por entre seus dedos.

Segundo a professora, a dedicação permanente sobre o nosso aprendizado é o melhor caminho. “Como esse estudo era uma espécie de teste de QI, é possível dizer que elogiar a capacidade reduziu o QI dos alunos, e elogiar o esforço elevou-o”, defende.

Enfim, por mais difícil e trabalhoso, o mindset de crescimento é a solução; e está ao alcance de todos, basta um desejo desvinculado dos falsos elogios.

O mindset fixo limita as realizações. Enche a mente das pessoas com pensamentos perturbadores, “torna desagradável o esforço e leva a estratégias de aprendizado inferiores”, diz Carol Dweck. Para ela, essa mentalidade fixa transforma as outras pessoas em juízes, em vez de aliados.

O elogio desmedido, mesmo que bem intencionado, de acordo com a ciência, pode ser o veneno que mata o espírito criativo das pessoas.

Depois de atingir um determinado patamar, primeiro sentimos medo de sair dali e não chegar a um lugar tão bom ou melhor que o anterior; e a segunda metade do desespero é voltar ao antigo local de glória e ele já estiver ocupado. Resultado: colamos os pés no lugar que consideramos o mais seguro do mundo.

Novas experiências, jamais!

A sociedade parece viciada em palavras adocicadas, como numa fantástica fábrica de chocolates — O que acham do meu cabelo… da minha sandália… do meu prato… do meu vinho… do meu carro… da minha casa… da minha piscina… do meu marido… mulher… cachorro… filhos… cachorro… do meu candidato… de mim?! — Quanto mais curtidas, e “lindos” e “lindas”, melhor; mesmo que não sejam sinceros.

A nova moeda é o Like; “se ela não curte as minhas coisas, então eu não curto as dela também”.

A cada 5 minutos a gente abre o celular para tomar mais uma dose de endorfina. O problema é que os elogios vazios não nos emancipam, eles tendem a nos manter algemados às certezas que não nos emocionam.

Falando sobre tecnologia e o impacto das revoluções digitais que acontecem nesse exato momento, Yuval Noah Harari comenta que se você não se sente em casa dentro de seu próprio corpo, “nunca se sentirá em casa dentro do mundo”.

Ele comenta o efeito que as redes sociais estão causando em todos nós que as usamos.

Estamos hiper-conectados.

Mas, ainda somos 100% humanos, dependentes de instintos primitivos.

Em um passado longínquo, nos satisfazíamos com um pedaço fresco de cervo e um galho seguro no alto de um Baobá; porém, hoje, a sensação de segurança é um pouco mais complexa. O excesso de contato com o digital nos fez esquecer que temos um corpo físico.

Atualmente, parece que somos apenas as sensações que conseguirmos arrancar de nossos dispositivos eletrônicos.

E parece não ter fim…

O problema é que não podemos confiar em máquinas, pelo simples fato de que são feitas e controladas por seres humanos, e esses seres não são confiáveis.

O neurocientista português António Damázio diz que sem a luz das artes e das humanidades, “as ciências não podem iluminar sozinhas a totalidade das experiências humanas”.

A ciência criou as redes sociais, e as redes sociais espalharam mentiras em todos os lugares que alcançam.

A Internet é um anseio da humanidade há milênios, desde que o homo sapiens partiu na direção do horizonte, em busca de novas experiências. O ser humano cria porque imagina; e também mente pelo mesmo motivo.

Epitáfios são sempre positivos porque ninguém conhece o outro lado da morte. Por isso é mais fácil louvar quem “ousou” cruzar a linha, pois temos a certeza de que todos nós cairemos no mesmo buraco. Então, é melhor jogar rosas ao invés de pedras.

Alexander Pope foi inspiração para o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, dirigido por Michael Gondry, que escreveu o roteiro com Charlie Kaufman e Pierre Bismuth, o qual lhes rendeu um Oscar.

No trecho do poema de Pope ele diz “Como é imensa a felicidade da virgem inocente / Esquecendo o mundo, e pelo mundo sendo esquecida. / Brilho eterno de uma mente sem lembranças! / Cada prece é aceita, e cada desejo realizado”.

Sabemos que seremos esquecidos, e a inexperiência nos impele na direção do desespero, quando vale quase tudo. Fazemos qualquer coisa para justificar o fato de que a vida nos engole sem misericórdia.

Algumas das vítimas de Simon Cowell, em programas como Britain’s e America’s Got Talent, voltam ao palco, meses ou anos depois, mesmo tendo sido humilhadas pelas ácidas críticas do jurado mais famoso do mundo. Gosto de assistir a esses programas; eu os considero inspiradores.

Vejo pessoas dentro de si mesmas, exalando timidez e nervosismo, até a hora em que são autorizadas a começar suas apresentações. Os “bichinhos assustados” transformam-se em imensos colossos, disparando raios e trovões em todas as direções.

Impressionante: assim que a música termina, voltam à forma original, tremendo dentro de suas conchas.

Por que a crítica saudável é importante?

Por que ela cutuca o animal selvagem que está adormecido nos bastidores da nossa mente. Por que todos lembram de Simon? Talvez, porque ele tenha entendido que um simples parabéns sirva apenas para manter uma poderosa força presa no subsolo de nossas mentes, se apagando, dia após dia.

Por que, às vezes, é bom esquecer?

Porque, como disse Nietzsche, assim podemos tirar proveito de nossos erros. Como disse Pope, merecem elogios apenas aqueles que têm força suficiente para suportar as críticas. Sem isso, seremos apenas uma plateia muda, em um cemitério cheio de lápides que, infelizmente, costumam não contar histórias que refletem a verdade.

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William Barter
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Written by William Barter

Innovation Designer by Biomimicry. Host of CrieAtive+ Podcast: Future = AI + education. Author of "Creativity: In Search of Meaning for the Act of Creating."

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